Qual era o papel das mulheres na “terrível” Idade Média?

Por: Maria Clara Rousseau

 

Irrelevantes, oprimidas, relegadas ao esquecimento. Não é incomum ouvir que assim eram tratadas as mulheres na época em que o véu da Cristandade se estendeu por toda a Europa. Mais um dos mitos tão propagados sobre a “Idade das Trevas”.

Ocorre que elas sempre estiveram lá, ocupando não apenas o papel imprescindível e intrinsecamente honroso de gestoras do lar e da família, mas posições de destaque em momentos cruciais para o desenrolar da história que conhecemos.

Na fundação do primeiro hospital da Europa e na conversão do primeiro rei católico da França, a “filha mais velha da Igreja”. Na libertação de escravos na África em pleno século IV e no incentivo à arte, à poesia e à música medievais. Na formação das centenas de mosteiros que fincaram as raízes cristãs do Ocidente e na compreensão da dignidade humana que sustenta toda uma civilização, elas estavam presentes. 

Religiosas, imperatrizes, princesas. Esposas, mães e celibatárias. Relegadas ao esquecimento não pela Igreja que ajudaram a formar, mas pelos arranjos políticos e econômicos trazidos pela modernidade e, hoje, pelos muitos mitos que ainda rondam a “Idade das Trevas”.

“As mulheres desde muito cedo parecem ter compreendido, e isto desde as primeiras pregações do Evangelho, que lhes estava a ser outorgada a liberdade de escolha”, escreve a historiadora e arquivista Régine Pernoud, autora de “A mulher no tempo das catedrais”, obra que a editora Quadrante tem a honra de lançar no Brasil. 

Trata-se de um passeio pela história das protagonistas da Idade Média: Clotilde, Fabíola, Melânia, Hilda, Hildegarda, Joana, entre outras figuras femininas às quais devemos muito da cultura que herdamos – ainda que a coloquemos à prova. 

No livro, Pérnoud explica, por exemplo, que entre os século IV e V, as mulheres foram imprescindíveis para a formação do que vai “caracterizar a civilização feudal: (…) o começo dos mosteiros onde se desenvolveu uma alta cultura, bem como os começos da cavalaria”.

Neste contexto, segundo a autora, a “dupla influência da Igreja e da mulher” serviria para educar o homem feudal. Graças a elas, nasce o “ideal do príncipe letrado e a preocupação da defesa do fraco”.

Em entrevista à equipe da Quadrante, o historiador Ricardo da Costa, professor titular da UFES e ​Acadèmic corresponent a l’estranger da Reial Acadèmia de Bones Lletres de Barcelona, reafirma o valor da mulher medieval:

“O imaginário do homem nobre foi moldado pela Igreja, que tentou disciplinar as pulsões agressivas daqueles homens de então. Era uma sociedade muito violenta. De modo geral, como disse, as mulheres foram (e são) responsáveis por tudo o que flui para a cultura: língua, modos de se comportar, sensibilidades, percepções, etc”.

Há que se ressaltar também o mérito da autora: ter Régine Pernoud no nosso catálogo de autores é uma honra e uma responsabilidade. “Régine Pernoud não era formada em História, mas em Literatura e Arquivologia e Paleografia. Seu doutorado foi em História Medieval (A História do Porto de Marselha, de 1935). 

Sua relevância está no campo da divulgação da História Medieval ao grande público em uma escrita de modo simples e baseada em documentos de época”, reforça Ricardo da Costa, para quem o mito da “Idade das Trevas” misógina, sem descobertas ou criações relevantes só se sustenta “entre os historiadores ruins, de formação deficiente”.

A mulher no tempo das catedrais” está disponível no catálogo da Quadrante.

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