O Homem que Transformou o Sofrimento em Esperança.

Descrever Viktor Frankl apenas como autor de Em busca de sentido seria limitar sua importância. Embora esta seja, sem dúvida, sua obra mais importante e conhecida, sua contribuição foi muito além. Só para termos ideia da importância e reconhecimento de nosso personagem para a psicologia, em particular, e de seu nível de reconhecimento, em geral: recebeu ele 29 condecorações de doutor honoris causa de universidades do mundo todo, foi convidado por mais de 200 instituições para a ministração de cursos, congressos e palestras, e escreveu cerca de 40 livros, que foram traduzidos para 38 idiomas, incluindo o português, para o qual vêm sendo vertidas obras inéditas todos os anos.

Viktor Emil Frankl (1905-1997) foi um dos grandes pensadores do século XX e um dos mais influentes nomes da psicologia. Fundador da Logoterapia — considerada a Terceira Escola Vienense de Psicologia, depois de Freud e Adler —, deixou uma obra que ultrapassa o campo científico, tornando-se um testemunho de vida e esperança. Seu livro Em busca de sentido, escrito logo após sua libertação dos campos de concentração, já vendeu milhões de exemplares e foi traduzido para dezenas de idiomas, consolidando-se como um clássico universal. Até Madre Teresa de Calcutá propôs seu nome ao Prêmio Nobel da Paz.

Primeiros anos e formação

Nascido em Viena em uma família judaica, Viktor enfrentou desde cedo privações materiais, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial. Já criança, teve um sonho marcante: aos quatro anos, disse à mãe que sonhara com a morte, e tomou consciência de que a vida é finita — experiência que despertou suas primeiras perguntas sobre o sentido da existência. Aos dezesseis, outro sonho decisivo: via-se como médico, atendendo pacientes que curava apenas pela palavra. Essa imagem antecipava a essência da Logoterapia, centrada no logos, no sentido.

Adolescente, aproximou-se de Freud, que chegou a propor a publicação de um manuscrito seu na Revista Internacional de Psicanálise. Mais tarde frequentou o círculo de Alfred Adler, mas rompeu com ele ao perceber
limites semelhantes: para Freud, o homem se resume à busca de prazer; para Adler, à vontade de poder. Frankl sustentava que o ser humano se distingue pela capacidade de transcender-se em nome de valores, do amor e de uma missão.

Desde cedo colocou essas convicções em prática. Aos 22 anos, fundou centros de aconselhamento para jovens em Viena, iniciativa que reduziu drasticamente os índices de suicídio, a ponto de, em um ano, zerar as ocorrências. O êxito chamou atenção internacional, levando cidades como Praga, Zurique e Berlim, bem como autoridades da Hungria, Polônia, Iugoslávia e Lituânia, a pedirem que o modelo fosse replicado.

Formou-se médico em 1930 e tornou-se especialista em neurologia e psiquiatria. Em 1940, assumiu o setor de neurologia do Hospital Rotschild, atendendo milhares de pacientes em condições precárias. Ali, arriscou a própria vida ao alterar diagnósticos de judeus considerados “incuráveis” — trocando, por exemplo, “esquizofrenia” por “afasia” —, a fim de impedir que fossem enviados à morte.

Entre a ciência e a tragédia

Em 1941 casou-se com Tilly Grosser, enfermeira que conhecera no hospital. No mesmo ano recebeu um visto para emigrar aos Estados Unidos, mas hesitou: abandonar Viena significaria deixar os pais e seus pacientes. Buscou discernimento em oração na Catedral de Santo Estevão. Ao voltar para casa, encontrou sobre o rádio um pedaço de mármore recolhido das ruínas da sinagoga destruída. Gravada na pedra havia uma letra hebraica, presente apenas no quarto mandamento: “Honra teu pai e tua mãe, e viverás longos dias na terra” (Ex 20, 12). Para Frankl, foi a resposta: decidiu permanecer em Viena, mesmo diante do risco.

Logo depois, foi deportado com a família. Passou por quatro campos de concentração, incluindo Auschwitz. Perdeu o pai em Theresienstadt e depois a mãe, o irmão e a esposa em outros campos. Tornou-se o prisioneiro
nº 119.104, submetido a trabalhos forçados, fome e doenças. Pensou em suicídio, mas fez consigo mesmo o voto de não “ir ao fio” — não se lançar contra as cercas eletrificadas.

Em Theresienstadt, apesar das privações, organizou palestras e sermões para levantar o ânimo dos prisioneiros. Criou um “esquadrão de choque” de médicos e voluntários que ofereciam cuidado especial aos idosos, doentes e recém-chegados em estado de choque. Convencido de que a consciência de uma missão sustenta o ser humano, repetia: “Não há nada que ajude mais a suportar dificuldades externas e internas do que saber que se tem uma tarefa a cumprir”.

O testemunho de Auschwitz

As experiências dos campos marcaram de forma definitiva sua obra. Em busca de sentido, Frankl descreve as três fases psicológicas do prisioneiro: o choque inicial, a apatia e a vida após a libertação. Constatou que, mesmo nas circunstâncias mais degradantes, alguns mantinham a dignidade, a fé e o amor. Enquanto uns sucumbiam à brutalidade, outros cresciam interiormente e se tornavam santos. “Mesmo uma vítima sem saída, enfrentando um destino que não pode mudar, pode erguer-se acima de si mesma e mudar-se a si mesma”, escreveu.

Libertação e reconstrução

Quando o campo de Türkheim, subcampo de Dachau, foi libertado em abril de 1945, Frankl estava gravemente doente e pesava apenas 40 quilos. Pouco depois, teve uma experiência espiritual que marcou sua vida: sozinho
em um campo florido, ajoelhou-se e rezou em ação de graças. Ali ouviu em seu coração as palavras do salmo: “Na angústia gritei ao Senhor, e Ele me respondeu no espaço livre”. Para ele, começava uma nova vida.

Ao retornar a Viena, descobriu que apenas sua irmã havia sobrevivido, emigrada para a Austrália. Apesar da dor, retomou os manuscritos confiscados e publicou Psicoterapia e sentido da vida. No prefácio, dedicou a obra à memória de Tilly. Sentia que, como uma criança que fica na escola após o sinal, ainda tinha uma tarefa a cumprir. Essa consciência do dever foi sua proteção contra o desespero.

Amor, obra e reconhecimento

Em 1947 casou-se com Eleonore Schwindt, enfermeira que lhe devolveu a alegria. Tiveram uma filha, Gabriele. Frankl dizia que Eleonore transformara um homem que sofria em um homem que amava.

Entre 1946 e 1971 dirigiu o departamento de neuropsiquiatria da Policlínica de Viena. Continuou a atender pacientes até o fim da vida, muitas vezes gratuitamente. Escreveu 39 livros, todos datilografados por Eleonore a
partir de seus ditados. Recebeu prêmios e títulos em todo o mundo, inclusive a Grande Cruz de Mérito da Alemanha pela reconciliação teuto-judaica. Lecionou em Harvard, Stanford, Dallas e outras universidades.

Apesar do prestígio, viveu sempre no mesmo apartamento em Viena, sem luxo. Manteve-se simples, dedicado aos pacientes, à família e à difusão da Logoterapia, que se espalhou pelo mundo como uma resposta ao vazio existencial moderno.

Um homem inquieto

Viktor Frankl morreu em 1997, aos 92 anos. Sua vida, atravessada por tragédias e privações, tornou-se um testemunho de esperança. Recordava frequentemente a frase de Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti”.

Seu legado permanece atual: mesmo quando todas as circunstâncias parecem contrárias, o ser humano conserva a liberdade interior de dizer “sim” à vida. Frankl mostrou, pela própria vida, que o amor, a fé e o sentido podem sustentar a existência, mesmo diante do sofrimento inevitável.

Entrevista com Luis Enrique Carmelo Paulino

Luis Enrique Carmelo Paulino é Graduado em Psicologia e Filosofia. Pós-graduado em Análise Existencial e Logoterapia Frankliana. Atua como psicólogo clínico desde 2012. É professor universitário e coordena cursos de pós-graduação em Logoterapia. Fundou o Instituto Em Rota, pelo qual realiza cursos de desenvolvimento humano que alcançam milhares de alunos todos os anos.

Obras de Viktor Frankl na Quadrante.

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Viktor Frankl

 

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