Ideias sobre o corpo

A chamada “onda sexual” que, com todas as suas exibições do corpo humano, exaspera a nossa vida cotidiana, pode dar a impressão de vivermos numa época em que se cultua o corpo. No entanto, ressoa ainda no ar o grito angustiado de Camus: “Salvem os corpos!”.

Efetivamente, talvez nunca como no nosso tempo o corpo humano foi tão maltratado […] E, embora uma multidão de contemporâneos nossos se preocupe neuroticamente com a saúde, desprezam de fato a dignidade e o valor do corpo: saciam as suas exigências comprando prazeres mesquinhos e eliminam as suas dolências com os calmante e drogas que a indústria põe ao alcance de qualquer mão. De duas uma: ou se submetem ao corpo, afundando-se na luxúria mais grosseira, ou o consideram inimigo e odioso na hora da dor.

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O corpo não é objeto, nem uma coisa, nem uma máquina. É também “essencialmente diferente de um organismo animal” (Heidegger). O corpo também não é qualquer coisa que uma pessoa “possui”. O homem é corpo, como é espírito. A corporalidade pertence à essência do ser humano: estamos aí (“Da-sein”) em virtude do nosso corpo, assim como em virtude do nosso corpo tocamos o mundo e o mundo nos toca. É graças à minha corporalidade que sou quem sou, que me posso exprimir e atualizar, que posso fazer o bem e o mal.

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A mulher que contempla o rosto no espelho exclama quase sempre: “Eu sou bonita”, e não: “Eu tenho um belo rosto”. Com efeito, falamos do corpo como se corpo e eu fossem idênticos. Quando uma mãe acaricia o filho, não toca a materialidade estrita do ser querido; o que faz é acariciar a própria criança, isto é, realiza – torna real – um contato entre dois seres humanos, a comunhão de duas pessoas.

Por esse mesmo motivo, as “experiências sexuais” fora do âmbito do amor interpessoal não são “experiências humanas” e deixam os que as realizam, não só totalmente “inexperientes”, mas também carregados de falsas imagens e ainda de verdadeiras aberrações a respeito do amor, a respeito do sentimento, do sexo e da realidade corporal.

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Mas também é mister precavermo-nos contra certa “mística do corpo” que, na nossa época, levou alguns retardatários descobridores da dignidade do corpo a exaltar, não sem empolada retórica, o instinto sexual, como se este fosse o centro da personalidade e vínculo exclusivo com o mundo.

Essa concepção exorbitante de certa “metafísica do sexo” traz consigo velis nolis, quer queiras, quer não, um separatismo do corpo, e ameaça por outro flanco a unidade da pessoa, que se reduz a corpo, transformando-se o corpo em fetiche. O chamado instinto sexual só se satisfaz, ativamente, na integridade do amor interpessoal; e a virgindade e o celibato cristãos só têm sentido como realização do amor nupcial do homem à pessoa humano-divina de Cristo.

A Encarnação, no seu sentido mais estrito, constituirá sempre a pedra de toque – e de escândalo – para idealistas e materialistas, pondo em relevo o seu diverso mas igualmente palmar afastamento da realidade.

 

Trechos retirados do livro Psicologia aberta, de Johannes B. Torelló.

Saiba mais sobre o tema no nosso lançamento Adão e Eva depois da pílula, de Mary Eberstadt.