Perguntas e respostas sobre Maria Madalena

Por Mark Shea e Edward Sri

Grande parte das mentiras escritas no livro O Código Da Vinci tem relação com Maria Madalena. Afinal, o que conhecemos sobre essa santa que a Igreja honra com uma festa no seu calendário litúrgico e a quem chama de “apóstolo dos apóstolos”?


Por que Maria Madalena aparece com tanta freqüência em O Código da Vinci? Que nos diz a Bíblia sobre esta mulher?

O Evangelho de São Lucas apresenta-nos Maria Madalena como uma seguidora de Jesus, de quem Ele tinha expulsado sete demônios. Fazia parte do grupo de mulheres que, com recursos próprios, proviam às necessidade de Jesus e dos seus discípulos, e os acompanhavam nas viagens do seu ministério (cfr. Lc 8, 1-3). Seguiu Jesus em todo o seu percurso a caminho de Jerusalém e esteve presente nos momentos-chave que rodearam a sua Morte e Ressurreição. Foi testemunha da crucifixão de Cristo no Calvário (Mt 27, 56), esteve presente no seu sepultamento (Mt 27, 61) e foi a primeira testemunha da Ressurreição.

Os Evangelhos relatam que, no domingo de Páscoa, Maria dirigiu-se ao sepulcro de Cristo com outras mulheres, levando aromas para ungir o corpo do Senhor, mas viram que o sepulcro estava vazio (Mc 16, 1; Lc 24, 1-2). Segundo Lucas, as mulheres viram duas figuras angélicas com vestes deslumbrantes, que lhes disseram que Jesus tinha ressuscitado. Maria Madalena foi quem correu a comunicar aos Apóstolos aqueles acontecimentos dramáticos (Lc 24, 3-10). E o evangelista São João oferece-nos o relato da coisa mais surpreendente que aconteceu com Maria Madalena no dia da Páscoa: foi a primeira pessoa que se encontrou com Jesus ressuscitado (Jo 20, 11-18).

Muita gente pensa que Maria Madalena era uma prostituta. A Bíblia ensina isso?

Quanto ao passado de Maria Madalena, a Bíblia diz unicamente que dela tinham saído sete demônios (Lc 8, 2). Como o número sete é o número bíblico que indica perfeição (ou plenitude), pode deduzir-se que o fato de Maria Madalena ter tido sete demônios indica a gravidade da possessão diabólica que sofrera no passado. Mas a Escritura não diz qual foi esse passado nem que ela tivesse sido uma prostituta.

Uma das primeiras pessoas que relacionaram Maria com a prostituição foi o Papa Gregório Magno, numa homilia que pronunciou no ano 591. Nessa homilia, o Papa identifica Maria com a pecadora anônima que unge os pés de Cristo em Lc 7, 36-50. O modo como Lucas descreve a mulher arrependida (“uma mulher da cidade, que era uma pecadora”) sugere que provavelmente era uma prostituta. Mas por que o Papa identificou essa mulher pecadora com Maria Madalena? Primeiro, porque o relato da mulher pecadora em Lucas 7 vem imediatamente antes da passagem em que Maria Madalena aparece com o seu nome, em Lucas 8. Em segundo lugar, porque a cidade natal de Maria Madalena, Magdala, tinha má fama por causa da sua imoralidade e libertinagem.

A interpretação de Maria Madalena como a prostituta arrependida de Lucas 7 difundiu-se amplamente no Ocidente cristão. Mas não prosperou no Oriente, onde se considerava que a mulher anônima e Maria Madalena eram duas pessoas diferentes. Embora não existam nos Evangelhos objeções à opinião de que Maria Madalena era uma prostituta, também não há provas bíblicas concretas que permitam afirmá-lo. Este pode ser o motivo pelo qual, em 1969, quando a Igreja Católica reviu as leituras da Bíblia empregadas na Missa, decidiu não continuar a usar o relato da pecadora arrependida em Lucas 7 como leitura na festa de Santa Maria Madalena. Deixou claramente em aberto a questão da identidade da mulher sobre a qual Lucas escreve.

Então O Código da Vinci tem razão quando diz que a Igreja Católica dirige uma “campanha de difamação” contra Maria Madalena, caluniando-a ao fazê-la aparecer como uma prostituta.

Não, a Igreja Católica honra Maria Madalena como uma santa! E dedica-lhe uma festa no calendário litúrgico. Os católicos dirigem-lhe com freqüência as suas orações, pedindo-lhe que interceda por eles. Muitas igrejas em todo o mundo têm o seu nome. Inúmeras estátuas, vitrais e quadros representam a sua santidade. Os cristãos fazem peregrinações para rezar nos lugares onde se acredita que se guardam as suas relíquias. Isto tudo soa a “campanha de difamação”?

A tradição católica reconhece Maria Madalena como uma das mulheres mais importantes que seguiram Jesus. É chamada “apóstolo de apóstolos”, porque foi a primeira pessoa que anunciou aos Apóstolos a Ressurreição de Cristo no dia de Páscoa, e é saudada como a primeira testemunha da Ressurreição. Se a Igreja Católica pretendia maliciosamente apagar a memória de Maria Madalena como uma importante e santa seguidora de Jesus, fez um péssimo trabalho. O que Brown qualifica como “campanha de difamação” na Igreja Católica revela-se como uma celebração de Maria Madalena como uma das maiores santas da Bíblia.

Quanto à associação que o Papa Gregório Magno estabeleceu de Maria Madalena com a prostituição, devemos ter presente o contexto em que se fez. Foi numa homilia numa igreja de Roma, não numa declaração dogmática que fosse vinculante para todos os fiéis católicos. O principal objetivo dessa homilia não era fazer uma análise histórica da identidade de Maria Madalena, mas oferecer uma interpretação espiritual e alegórica da pecadora em Lucas 7 e Lucas 8, com o fim de animar os cristãos a seguir um nobre exemplo de arrependimento, amor, devoção e virtude.

Por exemplo, o Papa associa os sete demônios de Maria Madalena aos sete pecados capitais, mas depois continua a mostrar como cada um desses vícios se converteu nela em virtude, graças ao seu arrependimento e à sua fidelidade a Cristo. É possível que o laço que o Papa estabelece entre a pecadora desconhecida e Maria Madalena não nos tenha convencido, mas daí a dizer que a sua interpretação se deveu a um malicioso plano com o propósito de caluniar Maria Madalena é esquecer completamente que o Papa a apresenta como modelo de arrependimento. E a imagem que dela nos transmite a Igreja não insiste nos seus pecados ou na sua hipotética prostituição, mas põe sempre a ênfase na sua conversão, no seu amor por Jesus e no fato de ter sido a primeira testemunha da Ressurreição.

O Código da Vinci diz que Jesus se casou com Maria Madalena e que isso está “documentado historicamente”. É verdade?

Nos milhares de páginas escritas pelos primeiros cristãos, não aparece um só texto que afirme que Jesus se tivesse casado com Maria Madalena. Nem nos Evangelhos do Novo Testamento, nem nas Cartas de São Paulo, nem nos Padres da Igreja. Como também não nos evangelhos gnósticos!

Todas as provas apontam em outra direção: na de que Jesus nunca se casou. Por exemplo, se Jesus tivesse tido uma esposa, certamente não teriam faltado aos evangelistas muitas oportunidades de falar-nos disso. Mencionam freqüentemente os parentes do Senhor (o seu pai, a sua mãe, os seus primos), mas nunca nos falam de uma esposa. Coisa que seria muito estranha se Jesus realmente se tivesse casado.

Por outro lado, o Novo Testamento nunca menciona Maria Madalena como “esposa de Jesus”. As mulheres que figuram nos Evangelhos estão associadas com muita freqüência a homens importantes, quando realmente houve esses homens nas suas vidas. O que chama a atenção é que o nome de Maria Madalena aparece geralmente unido aos de outras mulheres cujos nomes estão relacionados com homens conhecidos. É o caso de Maria, a Mãe de Jesus (Jo 19, 25), de Maria, mulher de Cléofas (ibid.), de Joana, mulher de Cusa (Lc 8, 3). Mas, no caso de Maria Madalena, o que chama a atenção é que, cada vez que se menciona o seu nome, costuma-se identificá-lo com o seu lugar de nascimento, Magdala, mas nunca com um homem. Por outras palavras, nunca é apresentada como “Maria, esposa de…”, mas exclusivamente como “Maria Madalena”. Este pequeno pormenor diz tudo. Indica que Maria Madalena nunca se casou, e muito menos que esteve casada com Jesus.

Por último, nenhum dos outros escritores cristãos da Igreja primitiva, nem mesmo os gnósticos, nos informam de que Jesus estivesse casado com Maria Madalena.

O gnóstico Evangelho de Filipe chama a Maria Madalena “companheira”de Jesus, e O Código da Vinci diz que a palavra “companheira” significa esposa em aramaico. Não é uma certa prova de que esteve casada com Jesus?

Teabing, personagem do livro, comenta assim a passagem do Evangelho de Filipe: “Como lhe diria qualquer estudioso do aramaico, nessa época a palavra companheira significava esposa”. O principal problema com essa afirmação de Teabing é que o Evangelho de Filipe não foi escrito em aramaico! Foi escrito em copta, e a palavra companheira que se emprega nessa passagem é, na verdade, o termo gregokoinonos.

Ora, koinonos não significa especificamente “mulher” ou “esposa”. Indica simplesmente companheirismo, e cobre um vasto leque de relações. A palavra pode significar um sócio de negócios, um colaborador ou um homem cristão. Poderia incluir também parentesco, mas, se o autor do Evangelho de Filipe pretendesse especificar que se tratava de esposa ou mulher, podia ter escolhido uma palavra grega mais concreta: gyné. O mais provável é que a palavra koinonos que se lê nessa passagem descreva Maria Madalena como irmã espiritual de Cristo.

No entanto, O Código da Vinci indica que, na antiga cultura judaica, se condenava o celibato. Por que Jesus se absteve de casar-se? O celibato não fez dele um “mau judeu”?

O celibato não estava condenado na antiga cultura judaica. Estar casado e ter filhos era o caminho normal para a maioria dos homens judeus…, como aliás é para os cristãos. Mas o celibato, em determinadas circunstâncias, era olhado com enorme respeito.

Alguns dos homens mais venerados da história judaica não se casaram. Por exemplo, Deus disse ao profeta Jeremias que renunciasse ao matrimônio, e ninguém o acusou de ser um “mau judeu” por isso; pelo contrário, gozou de grande estima como um dos maiores Profetas enviados por Deus ao povo judeu (Jer 16, 1-2).

Nos tempos de Jesus, um grupo de judeus conhecidos como essênios considerava o celibato como um ideal para os seus membros, e muitos deles viviam numa espécie de comunidade monástica perto do Mar Morto; não eram criticados pelo seu celibato, mas extraordinariamente respeitados pelas suas práticas piedosas.

Segundo as evidências bíblicas, João Batista viveu só, como fez São Paulo, o antigo zeloso fariseu, que defendia o celibato como um ideal religioso para os que quisessem fazer essa opção por amor ao Senhor (cfr. 1 Cor 7). Portanto, se o celibato não era comum no judaísmo do século I, também não era insólito nem considerado desprezível, ilegal ou condenado. Como vimos, era extraordinariamente apreciado em determinadas pessoas.

Segundo O Código da Vinci, o Evangelho de Filipe diz que Jesus amava Maria Madalena mais do que a todos os discípulos e “costumava beijá-la na boca”. Isso não demonstra claramente que ao menos os primeiros cristãos acreditavam que Maria Madalena e Jesus tinham uma relação sentimental?

Em primeiro lugar, devemos mencionar que o Evangelho de Filipe não diz que Jesus “costumava beijar Maria Madalena na boca”. Neste ponto, O Código da Vinci engana os leitores. O autêntico manuscrito desse evangelho apócrifo não apareceu completo, mas fragmentado, e não diz onde Jesus beijava Maria Madalena nem com que freqüência o fazia. O manuscrito que se achou diz: “E a companheira [koinonos] de […] Maria Madalena […] a amava mais que a todos os seus discípulos e costumava beijá-la […] em […]”. Os colchetes indicam falhas no manuscrito.

Portanto, o próprio manuscrito do Evangelho de Filipe não diz onde Jesus beijava Maria Madalena. Podia ser um simples beijo de paz. Podia ser um beijo na mão, na testa ou no rosto, sem nenhum matiz sexual. Por outro lado, para os gnósticos, um beijo não era romântico nem sexual. Por quê? Porque os gnósticos consideravam a alma prisioneira do corpo, e viam o sexo como meio de aprisionar novas almas. A meta da espiritualidade gnóstica era a libertação do corpo e dos seus desejos sexuais.

Para os gnósticos, um beijo era um símbolo de companheirismo entre os crentes, e por ele o alimento espiritual passava de uma pessoa para outra. Por isso, em outro documento gnóstico intitulado Segundo Apocalipse de Tiago, Jesus dirige-se ao seu primo Tiago como: “Meu querido!” e parece beijá-lo. Esse gesto, sem conteúdo sexual, pretende mostrar a posição privilegiada do discípulo e a especial condição dele (ou dela) como “receptor da sabedoria secreta”.

Por conseguinte, o Evangelho de Filipe não diz que Maria Madalena estivesse casada com Jesus. Por esse e outros documentos gnósticos, Maria Madalena pôde ter tido uma amizade mais estreita com Jesus, e ter chegado a uma maior percepção dos mistérios do reino de Cristo. Mas em nenhum lugar desse e de outros textos gnósticos consta que Maria Madalena tivesse sido a esposa de Jesus nem que tivesse tido uma relação sentimental com Ele.

Existe alguma razão teológica para que Jesus fosse celibatário?

O fato de Jesus não se ter casado tem muito sentido, não porque o casamento ou o sexo sejam uma coisa má ou funesta, antes pelo contrário: o catolicismo afirma a grande dignidade do casamento como uma aliança sacramental abençoada por Deus; o casamento é, sem dúvida, bom e santo. Tem muito sentido porque revela a plena união de Jesus com seu Pai do céu e a completa obediência à sua vontade: Jesus está totalmente consagrado ao seu Pai, oferecendo-lhe plenamente a sua humanidade – incluída a sua sexualidade, pelo celibato – como um dom amoroso e expiatório. É o que manifesta exatamente quando diz: Há eunucos que nasceram assim do ventre de sua mãe; há os que foram feitos eunucos pelos homens; e há os que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do reino dos céus. Quem puder entender, entenda (Mt 19, 12).

Além disso, o celibato de Jesus é a mais bela demonstração do seu amor por nós. Recorda-nos que Ele é o Esposo divino que se entrega completamente ao seu povo. Ao longo da história da salvação, a relação de Deus com Israel é expressa através de muitos termos: Criador, Senhor, Pai, etc. Mas a imagem mais profunda e mais íntima que aparece na Bíblia é a do matrimônio.

O Antigo Testamento descreve Deus como o Esposo e Israel como a sua Esposa eleita. Quando Israel é fiel à sua aliança com Deus, é descrito como a esposa fiel e formosa que Deus liberta da escravidão do Egito, que desposa no Monte Sinai e conduz à Terra Prometida. Quando o povo rompe a sua aliança com Deus, é qualificado como esposa infiel e adúltera. Não obstante, os Profetas anunciam que Deus permanecerá plenamente fiel a Israel, embora o povo lhe tenha sido tão infiel. Os Profetas anunciam também que, um dia, Deus se reunirá com a sua esposa e a curará das suas impurezas e renovará a aliança matrimonial com ela.

Assim, quando Jesus vem estabelecer essa nova aliança, é chamado com toda a propriedade o Esposo (Mt 9, 15; Jo 3, 28-36), dando cumprimento às profecias messiânicas e reunindo-se à sua Esposa. O fato de Jesus não se ter casado com um simples ser humano é a manifestação mais bela da profunda realidade do seu pleno e incondicional amor esponsal por todo o seu povo na Igreja, que é chamada a Esposa de Cristo no Novo Testamento (cfr. Ef 5, 21-33).

Se, como diz O Código da Vinci, nem Jesus nem Maria Madalena eram divinos, por que o “autêntico cristianismo” estava disposto a prestar culto a Maria Madalena e ao “sagrado feminino”?

O Código da Vinci é prolífico em afirmações que à primeira vista são surpreendentes, mas que não têm nenhum fundamento, quando se pensa nelas. Este é um bom exemplo. Não tem sentido falar do propósito de Jesus de restabelecer o equilíbrio entre o “sagrado masculino” e o “sagrado feminino” se, como afirma o livro, Jesus e Maria Madalena eram uns meros mortais a quem nenhum dos seus seguidores prestava culto.

Brown simplesmente contradiz-se e espera que ninguém o perceba. Consegue-o argumentando que a “hierarquia chauvinista” oprimiu Maria Madalena. Nesta época em que vivemos, dominada pelas teorias conspiratórias e pela retórica feminista, essa afirmação poderia parecer de certo modo digna de crédito, embora não haja nada que a apóie nem tenha sentido.

No fim das contas, tudo o que Brown tenta transmitir-nos é a “apaixonante realidade”, a “verdadeira” história de um rabi morto que tinha uma namoradinha, e que a Igreja ocultou isso com a absurda história de que esse rabino ressuscitou, de que Maria Madalena o viu e se converteu na primeira pessoa na história da raça humana a anunciar a boa nova de que Deus tinha enfrentado, combatido e vencido o poder da morte.

Agora compreendo por que a Igreja honra Maria Madalena como “apóstolo de apóstolos”.

Exatamente! Venerar Maria Madalena como uma grande santa e honrá-la como a primeira testemunha da ressurreição de Cristo e como “apóstolo de apóstolos” é um modo curiosamente esquisito de caluniá-la e de apagá-la da memória dos seus seguidores. Por outro lado, se a Igreja pretendia demonstrar a superioridade de Pedro sobre Maria Madalena, por que manter cuidadosamente (e nos quatro Evangelhos) a horrível imagem de um Pedro que promete fidelidade eterna a Jesus e pouco depois o nega num momento crítico? Por que mostrar Maria como a única testemunha corajosa da Ressurreição que suporta as dúvidas dos Apóstolos, se o ponto central dos Evangelhos é fazer ver a inferioridade de Maria Madalena e a superioridade deles?

 

Fonte: Capítulo 12 de “A fraude Da Vinci”, Quadrante, São Paulo, 2006.

Tradução: Emérico da Gama