O Consenso

Numa sociedade pluralista e multicultural, com divergências em questões fundamentais, torna-se necessário um esforço comum de reflexão racional, que é o de chegar pelo diálogo ao consenso e à convivência pacífica. O diálogo é sempre melhor que o monólogo. Diz a sabedoria popular que, conversando, a gente se entende, e que quatro olhos veem melhor que dois.

Mas, como escreveu o poeta Antonio Machado, de dez cabeças, nove precipitam-se e uma pensa. Esse exagero poético esconde uma advertência: a de que se pode chegar ao bem e à verdade por maioria sempre que essa maioria substitua a precipitação pelo olhar respeitoso sobre a realidade.

As éticas do diálogo chamam-se também procedimentais porque pensam que só se pode decidir sobre o que é justo quando se adota o consenso como procedimento. Os filósofos Karl Otto Apel e Jürgen Habermas consideram que, se as normas dizem respeito a todos, devem emanar do consenso majoritário. Sustentam que, sem ser uma solução perfeita – porque semelhante perfeição não existe –, o consenso é talvez a melhor forma de levar a ética à sociedade.

É preciso esclarecer, porém, que a ética não nasce automaticamente do consenso, porque há consensos que matam. MacIntyre formula esta simples pergunta: se numa sociedade de doze pessoas há dez sádicos, não prescreverá o consenso que os dois não sádicos devam ser torturados? E, para não ser acusado de jogar com o inverossímil, o filósofo faz esta outra pergunta: que validade tem o consenso de uma sociedade onde há um acordo geral acerca do assassinato em massa dos judeus? Ele mesmo responde que o consenso só é legítimo quando todos aceitam normas básicas de conduta moral.

Aceitar normas básicas de conduta moral quer dizer, entre outras coisas, que o acordo que resulta do debate não é o último fundamento da ética, pois um fundamento passível de discussão deixa de ser fundamento. Com todo o acerto, pois, diz Aristóteles que quem discute se se pode matar a própria mãe não merece argumentos, mas açoites. A conduta moral – como também a democracia – só pode fundamentar-se solidamente sobre princípios não discutíveis.

Por isso, aceitar princípios incondicionais não é uma atitude acrítica e subjetiva. É, por contrário, consequência de uma reflexão imparcial sobre as nossas intuições morais elementares. A responsabilidade materna não tem por fundamento uma predisposição sentimental nem um princípio teórico, mas a percepção básica de que, como a criança precisa da mãe, a mãe se deve a ela, sem outros raciocínios nem necessidade de consensos.

A aceitação de normas básicas de conduta implica também rejeitar uma argumentação estratégica, interesseira ou ideológica. No famoso conto de Andersen, há um consenso absoluto entre os que louvam os trajes do rei, mas todos mentem. Um só indivíduo, e além disso menino, tem razão em contrapor-se à maioria: “O rei está nu”. Já que é possível um consenso errôneo ou hipócrita, as éticas dialógicas pedem como condição necessária que o debate se trave entre pessoas imparciais, bem informadas e rigorosas na sua reflexão.

É quase como pedir a lua, pois, nem sequer a assembleia mais democrática da História, a de Atenas, conseguiu essa utópica integridade. Sócrates, o melhor dos atenienses, morreu condenado pelos seus sábios e invejosos compatriotas. Pareciam – disse o acusado – um grupo de menininhos manipulados pela promessa de uns doces. E disse também que era uma atitude ingênua pensar que a justiça emanava da maioria, pois era submeter-se aos que podiam criar o consenso artificialmente, com os meios que tinham ao seu alcance.

Um Cervantes bastante socrático não exagera quando nos avisa que “anda sempre entre nós uma caterva de encantadores que mudam e trocam todas as nossas coisas, e as transformam segundo o seu gosto; e assim, isso que você pensa que é bacia de barbeiro, eu penso que é o elmo de Mambrino, e outro pensará outra coisa”. Se Sancho levantasse hoje a cabeça, poderia ouvir a mesma música com outra letra: isso que você acha que é assassinato, o terrorista acha que é justiça, ou quem aborta acha que é interrupção da gravidez, e outro achará que é um crime, e um terceiro outra coisa, como Bruto achou que o assassinato de César era amor a Roma e legítima defesa.

José Ramón Ayllón – filósofo e escritor, foi professor de Filosofia e Literatura no segundo grau durante quinze anos; é autor, entre outros, do livro Dios y los náufragos (Belacqua, Madrid, 2002), e dedica-se atualmente a dar conferências sobre temas relacionados com a formação de adolescentes e a educação nos valores.

Fonte: Mitologias modernas. Quadrante, 1ª Edição, São Paulo: 2014.

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