Clonagem terapêutica: implicações éticas e econômicas (Por Alice T. Ferreira e Dalton L. P. Ramos)

O progresso científico é desejável e bom. Todavia não se pode pensar que ele seja sinônimo de um “despotismo científico”, que, deixando de lado a dignidade dos seres humanos, parece querer justificar toda a espécie de crimes contra a vida.

Concordamos que o embrião, mesmo com algumas horas de existência, já é um ser humano. A partir desse fundamento, as pesquisas que envolvam o sacrifício de embriões humanos, eufemisticamente denominadas de clonagem terapêutica, são inaceitáveis pois desvirtuam o próprio sentido da investigação científica.

Aceitamos que existem limites éticos para a pesquisa científica e admitimos que é legítimo se buscar as soluções para os males que comprometem a humanidade – paraplegia, diabetes, Parkinson, etc – e os cientistas devem se empenhar nessa busca, mas não admitimos, como Jeremy Bentham (), que TUDO se justifica para se atingir a maior felicidade do maior número de pessoas. Acrescento à esta idéia de sacrifício de alguns para a felicidade de todos a posição do materialista Sartre: é impossível se fazer o BEM à todos, como ele procura demonstrar em sua peça O diabo e o Bom Deus.

() Jeremy Bentham (1748-1832): jurista e filósofo inglês é um dos fundadores do utilitarismo, doutrina filosófica em que a ação considerada moralmente correta é a que traz benefícios para o maior número possível de pessoas, não importando os meios necessários para realizá-las ou a minoria que não é beneficiada por elas (N. do E).

Reafirmamos que para reparar tecidos lesados é possível utilizar outras fontes de células-tronco que não as embrionárias humanas e estamos demonstrando com fatos através dos nossos resultados experimentais.

O Código de Nuremberg (1947) estabeleceu internacionalmente o princípio ético que não se deve realizar experimentos que envolvam seres humanos cuja avaliação de riscos e benefícios não estejam suficientemente comprovadas e mensuradas em pesquisas pré-clínicas. Este código baseia-se na afirmação kantiana sobre a DIGNIDADE HUMANA: “o ser humano não deve ser utilizado como um meio para atingir outro objetivo que não a sua própria humanidade”. Esta afirmativa exclui categoricamente qualquer instrumentalização de seres humanos para outros objetivos que não a sua própria existência. Como este principio de Immanuel Kant norteando a DIGNIDADE HUMANA proíbe a procriação de um embrião humano com o propósito de pesquisa científica ou médica, no Sexto Congresso Internacional de Bioética, realizado em Brasília de 30/10 à 3/11 de 2002, houve muitos discursos ideológicos explorando os justos sentimentos da população que anseia pela solução de seus problemas de saúde. Os debates foram desde uma re-interpretação da filosofia kantiana até a categorização do ser humano, que obviamente privilegia a categoria “adulto produtivo” tornando descartáveis os embriões, os doentes, os velhos.

Com isto tivemos francas (para não dizer descaradas) defesas da eutanásia, da eugenia (seleção de embriões e clonagem humana) e obviamente da clonagem terapêutica pelos “filósofos do milênio”: Peter Singer, Julian Savulescu, John Harris, Fermin Roland Schramm. Suas argumentações eram tão frágeis que se desvaneciam frente à realidade de dados experimentais. Entretanto, não valia para eles o ditado: “diante de dados não se opõe argumentos”.

Com isto procuraram criar um clima cultural que favorecesse a condenação de todos aqueles que levantavam prudentes objeções àquelas pesquisas que, supostamente, necessitam desses embriões para alcançar aquelas descobertas científicas tão almejadas por todos. Estes últimos passaram a ser rotulados “moralistas retrógrados”, “fundamentalistas” ou “dogmáticos”. Assim, os verdadeiros realistas – aqueles que apenas desejam que todos os fatores da realidade sejam considerados em prol do benefício de todos – são apresentados como os vilões da história, pois estavam engessando a Ciência.

Mas a quem, então, interessa a liberação do uso de embriões humanos nessas pesquisas?

Hoje, no Brasil, podem existir entre 10 a 20 mil embriões humanos congelados, excedentes dos processos de reprodução assistida. Essa superpopulação de embriões gera despesas e constitui-se em um problema sem solução, a não ser que se “legitimize” – moral e legalmente – o seu uso.

Pior ainda, “legitima-se” também o aborto, fonte de embriões e células fetais.

Essa legitimização, além dos conseqüentes benefícios financeiros para aqueles que custosamente precisam manter congelados embriões excedentes e que passariam a ter onde escoar seus estoques, também representaria um incentivo indireto para a prática da reprodução assistida, uma vez que deixariam de existir objeções à utilização dessas técnicas devido ao incômodo moral ou sentimental da produção dos embriões excedentes, o que aqueceria o mercado de oferecimento dessas técnicas.

E, ainda pior, não podemos deixar de considerar a catastrófica possibilidade de se estabelecer – com ou sem o apoio da lei – um mercado de embriões humanos. O aborto passa também a interessar a um mercado sedento de embriões e fetos humanos.

O século passado está repleto de relatos de pesquisas que envolveram pessoas hiposuficientes ou com autonomia comprometida – prisioneiros, etnias desprovidas de direitos civis, populações miseráveis de países subdesenvolvidos, etc – que se tornaram público alvo de pesquisadores (e seus patrocinadores) sem escrúpulos. Esses grupos populacionais eram escolhidos para constituir os grupos amostrais das pesquisas justamente porque essas pessoas, nas precárias condições que se encontravam, não poderiam cobrar dos pesquisadores as responsabilidades éticas e legais que esses devem ter para com os seus colaboradores, principalmente se os resultados não forem bons.

Mais ainda, para os patrocinadores da pesquisa (industrias e/ou governos), que depois vão deter as patentes e os direitos comerciais dos bons resultados da pesquisa, interessa a utilização de sujeitos que dificilmente saberão ou poderão exigir os seus direitos de participação nestas patentes. Nessa lógica utilitarista, nada mais cômodo que a utilização de embriões humanos, desprovidos de “identidade civil” e voz própria.

O desenvolvimento de novas terapêuticas é desejado. Mas o respeito pelo ser humano coloca-nos em oposição aos esforços de reduzir a vidas humanas ao status de meras ferramentas de investigação, patentes e produtos industriais.

No documento Reflexões sobre a Clonagem, da Pontifícia Academia para a Vida (L´Osservatore Romano, N.27, 05.07.97) afirma-se, muito propriamente, que “o progresso da investigação científica não se identifica com o despotismo científico emergente, que hoje parece tomar o lugar das antigas ideologias”. O mesmo documento afirma que “a solicitação mais urgente, neste momento, é a de recompor a harmonia das exigências da investigação científica com os valores humanos inalienáveis”.

Extremamente pertinente é a declaração de Mary Jane Owen, cega e paraplégica, diretora executiva do National Catholic Office for Person with Disabilities no Congresso Americano, em 26/4/2000:

“Penso que perdemos nosso senso de moralidade e de maravilha sobre a vida humana. Nos tornamos tão utilitaristas que aparentemente parece ser apropriado fazermos pesquisas que sacrificamos uma vida futura para o benefício de alguém. Isto é o que se está propondo na produção de embriões humanos para propósitos utilitários, pondo de lado as regras éticas”. E finaliza: “Imploro: não façam isto em nome do benefício das pessoas deficientes, não justifiquem a destruição de embriões humanos na pesquisa de clonagem terapêutica dizendo que vai salvar vidas, pois tal prática além de imoral é desnecessária”.

Fonte: Portal da família

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